Tenho dois filhos botafoguenses. O
que isso quer dizer? Bem, se você pensar pelo aspecto simplesmente esportivo, do
futebol, não quer dizer nada demais. Poderiam ser torcedores de outros times e
nada demais. Mas se você pensar pelo aspecto social, psicológico, neurológico,
físico, comportamental ,que fazem parte da normalidade de uma pessoa, vai ver
que mais do que dois filhos, tenho eu o desafio de conviver com “seres únicos” e um elemento extra, adotivo,
chamado “superstição” que é tão importante quanto o ar que eles respiram. Eles
são mesmo esquisitos, cheios de manias, de crendices e isso é secular, desde os
tempos de Carlito Rocha, que um dia, em véspera de decisão, num treino,
apreciava a beleza do Cristo Redentor, de braços abertos sobre o gramado de General Severiano . De repente
uma nuvem negra cobriu a estátua. Ele olhou, olhou e não pensou duas vezes:
acabou com o treino...”aquilo era um mau presságio”! Até o cachorro Biriba, um
viralatinha preto e branco entrava junto com o time em campo, porque dava sorte.
Será que vem daí o batismo de “cachorrada” para a torcida alvi-negra? Bem, os
historiadores saberão esta resposta. O que os historiadores não sabem e nem os
deuses do futebol explicam é porque esses “seres botafoguenses” são tão,
digamos, esquisitos, com todo respeito, é claro. Capazes de xingar com altos
palavrões o ídolo do seu time que acabou de fazer um belo gol....Um tipo de
desabafo, de grito contido, que sai em forma de xingamento. É exclusividade
deles. E esteja prevenido se decidir ver o jogo ao lado deles. Seja no sofá da
casa ou na arquibancada, ou por um site qualquer na internet. Para sobreviver é
preciso ser imune aos efeitos da bipolaridade. O time vence fácil por cinco gols
e aos 45 do segundo eles levam um golzinho. Pronto!”Olha aí, não vacila, que
eles empatam”- pensará e dirá aos berros qualquer botafoguense normal. Talvez
daí venha, quem sabe, o ditado de que têm coisas que só acontecem ao Botafogo.
Eles devem trazer traumas terríveis que passam de geração em geração,de outras
encarnações. A última decisão entre Botafogo e Fluminense no Carioca aconteceu
há exatos 41 anos e foi 1 a 0 Flu, com aquele gol do Lula, que até hoje rende
discussão. Foi falta, não foi falta.....Pois agora muitos botafoguenses que nem
eram nascidos, como,por exemplo meus
filhos, vão se vingar, zerar o que ficou engasgado. E nesse turbilhão de
emoções, ser mãe de botafoguense é um karma nessa vida. Durante o jogo,
especialmente se for contra o meu time, finja-se de morta, não dê um pio sequer, não emita
nenhuma opinião, não faça expressões faciais que os desagrade, não contrarie.
Véi, na boa, o melhor que eu faço é me afastar sorrateiramente, ir ver o longe
bem longe. É um transe de noventa minutos, mas que pode ser maior, porque o
stress começa desde a hora que eles acordam: Já abrem os olhos e, com sorte,
você escuta um “bom dia”. É preciso relevar: são botafoguenses e não por acaso
têm um ídolo que se chama Loco e que veste a camisa 13. Aliás, eles andam
cochichando entre si que contam com um grande reforço para a decisão: O jogo vai
ser num dia 13, da sorte, do Zagallo e de maio, data em que se comemora a
abolição da escravatura no Brasil. Mas posso garantir, como mãe experiente de
Maryna e Guilherme que sou: a carta de alforria esses “seres”jamais receberão .
Vão ser eternos escravos da estrela solitária.