terça-feira, 26 de outubro de 2010

HERANÇA

Escrevo ainda sob o impacto da perda do querido João Areosa. Estou de volta ao JS e, quem diria, para ocupar o lugar que foi dele durante um bom tempo, com a coluna Tiro Livre. Nem de longe conseguiria substituir o João, porque ele era único. Chego sim, para dar continuidade a esse espaço do jornal, marcado pelas suas crônicas. Dono de um humor refinado, o nosso Johnny Boy não economizava nas piadas, nas tiradas sutis, no estilo alegre, de quem veio ao mundo para viver bem, em paz, curtindo cada momento, com um enorme prazer. João era um homem forte, adepto de lutas marciais, defesa pessoal. Tinha um físico avantajado e um coração mole na mesma proporção. Apesar da amizade, só trabalhamos juntos na extinta TV Manchete. Editávamos a Manchete Esportiva, que ia ao ar à noite. Certa vez a Seleção Brasileira fez um amistoso contra a Finlândia, creio eu, em meados da década de 80 e Zico "acabou com o jogo". Marcou muitos gols, daqueles antológicos. Eu perguntei ao João se poderia fazer alguma edição especial só com os momentos do Zico. João, democrata por natureza, confiou nos meus escassos conhecimentos de televisão naquela época e disse sem pestanejar: " manda ver , garotinha!". E lá fui eu para a ilha de edição, tentar mostrar em um minuto o que Zico fez em noventa. Fiz uma edição sem texto, apenas sonorizada com um samba-exaltação, "Canta Brasil". Na hora do jornal entrar no ar eu estava uma pilha de nervos. Será que João aprovaria a edição? será que estaria à altura do galinho? Ou seria um fiasco, aquele meu trabalho quase de estréia em TV? Fomos eu e João assistir dentro do switcher, local onde ficam as pessoas que colocam o jornal no ar. Fiquei posicionada de forma que pudesse ver a reação dele, a expressão facial, de aprovação ou desaprovação. Enfim a matéria entrou no ar, encerrando a edição. Olhei de rabo de olho para o João. Vi que seu rosto estava tenso e segundos depois ele deixou a emoção tomar conta. Chorou. A lágrima escorreu pelo rosto. O Johnny Boy, o lutador, o colega que cumpimentava os amigos com um tapão nas costas e depois dava um beijo, deixava-se ver por inteiro ali naquele momento: um homem emotivo, generoso, amigo, mestre incentivador, que não hesitou em chegar perto de mim e dizer, ainda sob a emoção: "ficou do caramba!". João não sabia, mas naquele momento, me dava o batismo televisivo, um ponto de mutação na minha vida de profissional de jornalismo impresso, que engatinhava nesse veículo fascinante da TV. Era como se eu chegasse para o primeiro dia de aula e o professor me recebesse cheio de apoio para dar. Essa foi só uma das muitas situações que vivemos dentro das redações ou fora delas, em conversas intermináveis no Color Bar ( boteco ao lado da Manchete) ou nas silenciosas madrugadas de Teresópolis, cercados de amigos, uisque e bate papo rolando em doses generosas.

João passou para mim e, acredito que para muitos outros amigos, experiência, conhecimento, não só na profissão, como nas situações de vida. Ao menor baixo astral, ele dizia: "não esquenta, garotinha, não esquenta!". Jamais poderia imaginar que, além disso tudo, João ainda deixaria pra mim, de herança, esse cantinho, onde eu poderei fazer uma das coisas que mais gosto nessa vida: escrever. Obrigada, João.

(COLUNA PUBLICADA NO JSPORTS- 19-10-10)

Nenhum comentário:

Postar um comentário