quinta-feira, 24 de março de 2011

PARA A ETERNIDADE

Ele insistia naquela história. Toda vez que a gente se encontrava, o Tio Valbert vinha com aquela conversa.

“você era botafoguense. Quando você era criança torcia pro Botafogo”- dizia ele às gargalhadas, sabendo que, para mim, dona de um coração rubro-negro, flamenguista de muitos carnavais, aquilo era uma afronta.

Com o passar do tempo fui entendendo a visão do meu tio. Eu não era botofoguense. Na verdade, naqueles anos sessenta, qualquer pessoa, amante do futebol ou não, se encantava com um time que tinha Gerson, Jairzinho, Rogério, Roberto, Paulo César, só pra citar alguns craques daquela verdadeira máquina de triturar adversários e torcidas rivais. O time do Botafogo daquela época seduzia qualquer um, pela qualidade, toque de bola, eficiência. Jogavam por música. Perder de três para eles, era perder de pouco. A gente (rubro-negros, tricolores, vascaínos) já ia ao estádio sabendo que íamos ser atropelados por um rolo compressor, sem a menor piedade. Não por acaso aqueles jogadores foram bicampeões em 67-68 e brilharam na copa de 70. Gerson lançando, Jairzinho fazendo gols memoráveis lá na frente. E não eram lançamentos comuns. Eram passes precisos de 40 metros de distância. É fechar os olhos e rever na lembrança alguns desses gols. Num deles, Gerson achou Pelé lá na área, veio a matada e o chute sem defesa.

Aquela geração de jogadores do Botafogo marcou época, dentro e fora dos campos. É daqueles times que a gente lembra da escalação de cabeça até hoje. Tinha aqueles que iam ao estádio só pra ver a exibição. Não precisava nem ser torcedor. Era uma platéia, à espera do espetáculo. E, com certeza, nesse período, a torcida do Botafogo ganhou inúmeros adeptos, cresceu, conquistou status de grande torcida, a encher o Maracanãs, Morumbis, Pacaembus....

Não, eu não era botafoguense, tio. Era uma “vítima” daquele futebol mágico. Tinha uma relação de admiração e ódio mortal por causa das goleadas que via o Flamengo sofrer em campo. Essa semana o coração do meu Tio Valbert, tricolor incorrigível, almirante, ex-ministro das forças armadas, parou de bater. Nâo tivemos tempo para uma conversa definitiva sobre essa polêmica, que seguiu com ele para a eternidade.

* COLUNA PUBLICADA NO JS DIGITAL EM 24-03-2011

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