domingo, 29 de agosto de 2010

CRÔNICA DE UMA SAUDADE


Terça-feira, 31 de agosto de 2010. Ao meio dia, colegas do Jornal do Brasil se reúnem na Cinelândia, Rio de Janeiro. É o Dia do Afeto ao JB. A data marca o fim de uma Era. O Jornal do Brasil, na versão impressa, fundado em 1891, deixa de circular. Posso dizer sem nenhum exagero que uma parte inesquecível da minha vida também deixa de existir. Foi lá, já no prédio da Avenida Brasil, 500, que me formei como jornalista, embora tenha cursado faculdade e me diplomado. Eu tinha 20 anos quando entrei pela primeira vez no JB. Realizava um sonho que perseguia obstinadamente. Todas as vezes que descia a serra de Teresópolis e passava em frente ao Jornal dizia pra mim mesma: " ainda vou trabalhar aí". Era apenas uma estudante de jornalismo, mas consegui uma entrevista para estágio na rádio Jornal do Brasil, no mesmo prédio. Tive o privilégio de ter como primeira chefe na minha carreira a imortal Ana Maria Machado. Era ela a editora-chefe daquela época. Para estagiar era preciso estar no sexto período da faculdade, mas eu ainda estava no segundo. Ana Maria, me chamou na mesa dela, olhou a minha carteira de trabalho, novinha em folha, me esquadrinhou detidamente. Eu tentava disfarçar o tremor das pernas, que insistia em me denunciar. Sabia que estava burlando uma exigência daquela casa. E Ana continuava me olhando. Até que disparou: " Você não está no sexto período, é muito novinha". Pronto...meu ingresso no poderoso JB estava por um fio. Respirei fundo e fui sincera: " Não estou no sexto período, estou no segundo"- admiti já me imaginando sair porta afora e perder aquela chance. Mas Ana voltou a falar e me perguntou: "Você quer ser repórter?" Eu disse que sim, mas queria mais do que isso: queria ser repórter de esportes do JB. Começaria pela rádio e depois, quem sabe, com sorte e dedicação, passaria para o Jornal impresso, que funcionava no andar debaixo. Ana Maria selou o meu destino: "Você é bastante atirada. A vaga de estágio é sua".
Começava assim a minha carreira jornalística e anos maravilhosos da vida profissional. Devo dizer que meus planos se confirmaram. Foram seis meses maravilhosos na rádio, sob a batuta da Ana Maria. Quando podia descia e me infiltrava na editoria de esportes do JB. Fui fazendo amizades, falando dos meus planos de romper barreiras e preconceitos, para ser uma repórter de esportes, num mundo estritamente masculino. E consegui. Saí das mãos de Ana Maria e ingressei numa editoria de craques, comandados por um jovem chamado Sergio Noronha. Mais do que um trabalho, escrever e assinar no JB era um enorme prazer, um orgulho, um sonho que se realizava. Ali eu aprendi a apurar, a exercitar o texto com a nata do jornalismo, a me virar em coberturas dentro e fora do meu país. Na redação do Jornal do Brasil eu assimilei o que é ser jornalista.
Por isso, quando os colegas se reunirem na Cinelândia, no Dia do Afeto ao JB, vão estar representando 119 anos de uma trajetória brilhante, única, inigualável. Com certeza estaremos tristes, mas com certeza também estaremos orgulhosos de ter feito parte dessa história.

(A minha foto, que ilustra esta crônica, foi feita na redação de esportes do JB, em 1976, pelo sub-editor Luis Roberto Porto, o Robertão, querido chefe e amigo, que as vezes dava uma de fotógrafo e saía clicando os colegas)

4 comentários:

  1. Muito legal saber como tudo começou!!
    Texto romântico, escrito com a alma, que emociona, sensibiliza, faz refletir e deixa saudades até para quem não viveu essa época!
    E que linda foto, registrada pelo coleguinha em plena redação! Uma bela história que passo a acompanhar a partir de hoje...

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  2. Braun, só quem "veste a camisa" sente isso por um veículo de comunicação. Consigo entender bem. Parabéns pelo texto! Só uma dúvida: O ínício do texto cita 31 de agosto de 2010. Essa data está correta?

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  3. Oi Mel. Obrigada pelas palavras e que bom tê-la no blog. É como recebê-la em casa. Beijos

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  4. Grande Fabinho. Obrigada, querido, aproveito para esclarecer que a data está correta: eu me antecipei aos fatos. O dia do afeto do JB é mesmo hoje 31 de agosto e eu escrevi dois dias antes.
    beijoca

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