domingo, 8 de agosto de 2010

ENSINA-ME A VIVER


Vivíamos a realidade dura do ano de 1968. A caça às bruxas era implacável e, como sempre, o futebol era a válvula de escape para muita gente. Nele, ainda se encontrava alegria, emoção.
E numa noite quente de meio de semana, lá fui eu para o Maracanã: bandeira em punho, camisa e a certeza da vitória. Afinal, um simples empate com o modesto Bonsucesso daria o título ao Flamengo . O Botafogo já estava fora do páreo, embora ainda existisse chance. De tão descrente o supertime alvinegro saiu até numa excursão caça-níquel pelo Brasil afora. E nós estávamos lá, só esperando 90 minutos para soltarmos o grito de campeão. A expectativa era enorme, estádio lotado, dono de uma só torcida, a nação rubro-negra.

Será que vamos golear? Perguntava eu para o senhor que me acompanhava na arquibancada, atrás do gol, à esquerda das cabines de rádio.

"Calma, não canta vitória antes do tempo. São onze contra onze", respondia ele, sem esconder uma ponta de nervosismo e experiência de vida, que eu, com meus 14 anos, não conseguia alcançar.

O Flamengo entrou em campo sob um barulho ensurdecedor dos rojões e um mar de bandeiras. Tinha ares de campeão. Só faltava a faixa no peito. Minha confiança aumentava. Estava no papo! Imagine se o Flamengo não ia ser campeão naquela noite?

"É preciso jogar, ganhar na bola, sem menosprezar o adversário, sem salto alto. Foi assim que o Brasil perdeu a Copa para o Uruguai em 50", teimava em me advertir aquele senhor, à beira dos 50 anos, que já havia visto muita coisa nessa vida.

A bola, enfim, rolou e o time do Flamengo bombardeou, mas a bola teimava em não entrar. Numa dessas escapadas em contra-ataque, Bonsucesso um a zero! Mas nem eu, nem a imensa torcida rubro-negra desconfiávamos do que ainda estava por vir. E o bombardeio continuava. Só faltava um golzinho de empate e o título era nosso.

Veio o segundo tempo, mais massacre e nada de empate. O Bonsuça se segurava lá atrás e a angústia foi aumentando. Ao apagar das luzes, o tiro de misericórdia: Bonsucesso dois a zero, ali no gol bem à minha frente.

O apito final me acordou de vez de um sonho. Naquela noite eu aprendi com o meu pai, que no esporte, assim como na vida, não há lugar para o menosprezo, soberba, auto-suficiência. Mas tem espaço de sobra para a frustração, que te derruba em segundos de um prepotente pedestal e serve de lição. O seu Araújo não está mais aqui, mas onde estiver, estará orgulhoso dos exemplos que me mostrou. Exemplos que me prepararam melhor para enfrentar a barra da vida. Domingo é o dia dele. Obrigada, pai!

(Coluna publicada em 10/8/2006 no Jornal dos Sports)

Um comentário:

  1. Nossa Senhora, fiquei emocionada. Hoje já fui rezar por ele. Partiu muito cedo mas o tempo que esteve por aqui foi o suficiente para deixar bons frutos. Saudades...

    bjos

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